Besteira de gente grande

Noite de domingo. Sonolenta, eu ouvia sua voz ditando cada palavra daqueles textos que escreveu, enquanto eu mesma os lia antes de dormir. Sua voz doce tinha gosto dos seus lábios, que tinham gosto dos seus beijos, que, por sua vez, tinham gosto de amor. Amor que tinha cor. Cor de rosa, lilás, branco... qual era a cor daquele meu vestido? Não sei se coral ou vermelho, mas era cor que só se usa quando se ama e é amado. Ninguém transborda aquela felicidade colorida sem estar amando. Normalmente usa-se preto, no máximo cinza, bem se sabe. O amor era tão simples que parecia ser algo que se compra naquele velho mercadinho da esquina da casa dos seus avós. Mercadinho da família Silva, três irmãos e uma irmã, com uma cambada de moleque. Conhecem a gente pelo nome. Coisa que só se tem no interior. Podia-se entrar, pegar sua bala preferida e pendurar na conta, que nem nossa era. Nosso amor também não tinha conta em nosso nome. Nenhum acerto a se fazer, pois já estava tudo certo desde o primeiro momento, a despeito de qualquer impasse - e, acredite, havia. No primeiro mês, dissemos ter sido feitos um para o outro, mesmo sendo eu cética e ele, o mais desligado dos desacreditados. No segundo, escolhemos os nomes dos filhos. Dois. No terceiro, fizemos planos que mudariam - e, de fato, mudaram - o resto de nossas vidas. No quarto... ah, no quarto era bom. Digo, no quarto mês, a primeira briga. Catastrófica. Ca-tas-tró-fi-ca. Como se o pai de seus filhos, vulgo o cara que você acabou de conhecer, tivesse cometido o maior erro que poderia. Erro que nem era dele, mas meu. E não erro de fato, mas de cálculo, de sacada. De sacada que faltou em vários aspectos então preenchidos por aquele amor puro comprado no mercadinho, tal como bala. Bala que, em excesso, destrói os dentes. Ai, o amor. Faca de dois gumes. Tiro que sai pela culatra. Besteira de gente grande. 

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