Tarde de verão

Quinta-feira de dezembro. O sol já deixava sua ardência para o anúncio de que em breve iria se pôr. Acordei atordoada notando que os sonhos bons do cochilo após o almoço haviam se estendido de forma a quase impedir que eu cumprisse com o combinado. Em um salto, me levantei, lavei o rosto, vesti algumas roupas, peguei as chaves do apartamento e saí correndo pelas ruas, desviando das pessoas que consegui e dando algumas esbarradas em sujeitos de bem que me olhavam indagando-se se eu havia roubado alguém para justificar a pressa. Não havia. Apenas tinha a intenção de chegar até o farol antes do pôr-do-sol. No Recife, se o relógio mostrasse mais que 16h30, já se poderia desapertar o passo e se contentar com o do dia seguinte, o sol não espera. E Miguel disse que também não esperaria. Era a última chance que daria a nós dois. Lembrava disso e corria ainda mais. Com o trânsito do horário, era incogitável usar qualquer outro meio que não fosse os pés. Até a ciclovia ficava lotada, em razão da alta temporada. Residir em cidade de destino turista tem dessas coisas. Às vezes, você sente como se um bocado de estranhos estivessem tomando seu lugar, chegando ao seu espaço sem pedir licença, lotando as ruas, deleitando as próprias férias enquanto tudo tenta seguir o rumo natural do ano inteiro. Tanto faz. Agora não importava nada disso, queria chegar até o farol. Minhas pernas já começavam a fraquejar, o coração disparado junto da respiração ofegante não deixavam que eu prosseguisse no mesmo ritmo. Parei por alguns segundos com as mãos no joelho para me recuperar, enquanto o suor escorria pela testa me lembrando de que essa não era a melhor forma de se encontrar com um ex. Eu bem sabia que Miguel estaria lá intacto, como uma foto de porta-retrato. Mas era verão, ele entenderia. Voltei a correr. O céu já tomava um aspecto alaranjado e eu, pelo que conhecia daquele trajeto, sabia que ainda levaria alguns minutos para chegada até nosso ponto de encontro. As imagens de Miguel que me vinham à mente faziam com que eu tivesse vontade de segurar o sol com as próprias mãos para que ele não se escondesse agora. De repente, esbarro em um senhor de idade que vem a cair no chão, abrindo um círculo para observação enquanto eu o ajudava a se levantar. Após as perguntas rotineiras, tendo me dito que não se machucou, já ia me por a correr novamente, mas sou interpelada por sua esposa que, muito cordialmente, veio agradecer por eu o ter levantado. Se eu tivesse tempo, diria que eu mesma o derrubei, assim não era mais que obrigação que eu o ajudasse, além de me desculpar e tudo mais. Contentei-me em sorrir e acenar. O vento agora era forte e contra, tão contra como todos foram quando contei que havíamos noivado. Corria ainda mais e já avistava o farol. O local cheio de turistas com suas câmeras impedia que eu distinguisse se Miguel ali estava. O sol agora já se punha e uma reta de longos metros me separava do meu futuro e, atrevo-me dizer, da minha felicidade. Não desisti e chegando lá, o procurei no rosto de cada um. Entre os encontros dos outros, meu desencontro junto de uma pontinha de sol que se despedia, prometendo voltar no dia seguinte, ao contrário de Miguel, que agora não mais voltaria.

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