17

17. É o que me diz o círculo vermelho feito à caneta em torno do número, bem no meio da folha do calendário preso à parede. O único número em destaque. Seus colegas de trás, cortados por um "x", como se nada mais valessem. Seus colegas da frente, em aberto, como nada tivessem a dizer. Corro os olhos um pouco acima e vejo o mês: outubro. Levo um susto. Como chegamos em outubro sem que eu me desse conta? Acabo de entrar no bar digerindo a informação. 17 de outubro de 2017. Até ontem estávamos em 2016, felizes pelo avanço de 2015. Calendários e relógios não deveriam ser permitidos em bares. E, por falar nisso, noto as horas. 10h. Da manhã. Terça-feira, horário de verão. O sol derretendo as calotas de gelo das pessoas em São Paulo. Ainda assim, todas continuam me parecendo um pouco frias, ou vai ver sou eu. A sensação é de que passei todo o ano em estado letárgico, sem notar o transcurso de dez meses. Na verdade, houve alguns acontecimentos ao longo do ano. Se eu juntasse cada um deles, ainda que espaçadamente, seria possível dizer estarmos em março. É isso. Como se tudo vivido em 10 meses coubesse - repito: espaçadamente - em 3. Meu uísque chega. Recebo o copo sem evitar uma risada de lado, notando que não precisei pedir. Creio que seja a primeira vez que não precisei pedir, talvez porque intensifiquei a frequência nos últimos tempos, a ponto de já me conhecerem. Talvez eu tenha, enfim, me tornado um daqueles estereótipos de frequentadores de bar. Seriam minhas divagações tão estereotipadas quanto? As primeiras doses, embaladas pela música que me envolve desde o primeiro momento em que coloco os pés aqui, são a fórmula capaz de me afastar, o máximo que tem sido possível, do entorpecimento que sinto estar envolto a todo tempo. Um alter ego parece assumir e ser um cara mais leve, de menos peso nos ombros, com uma gravata desapertada e uma despreocupação natural. Esqueço, neste momento, tudo aquilo que me foi dito. Parece que os goles da bebida ajudam a engolir os sapos presos na garganta que, de tão mal digeridos, quase parecem de estimação. Se alguma memória me volta, trato de abafá-la. Questiono-me até quando voltarão. É possível esmiuçar quanto tempo leva para se esquecer algo que lhe foi dito? Talvez não. Apenas sabemos que foi esquecido quando já não nos lembramos mais, simples, não? O tempo cuida de nós. Uma sensação de alívio me percorre e, de repente, o 17 me olha sorrindo. 

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