Contornos

Dirigia sob os leves raios de sol da manhã, no som "Should have knwon better", um chapéu de palha, óculos escuros e roupas largas. Sem pressa, seguia pela via da direita. De vidros abertos, deixava o vento tocar seu rosto, enquanto inspirava e expirava com uma calma que experimentava de forma bem própria. Se não precisasse se atentar à estrada, fecharia os olhos para sentir melhor aquele momento. No banco de trás, algo com flores e essências, frutas e legumes com aspecto de recém colhidos de alguma horta cultivada por mãos caprichosas.
O dia tinha cheiro de domingo, mas não qualquer domingo, não aquele domingo de quem vive a segunda-feira com pesar. Era um domingo de paz. A idade trouxe, além dos cabelos brancos, a sabedoria, ensinou a entender melhor a vida e aceitar os seus contornos.
Pouco mudara, mas muito amadurecera. Não podia pedir por mais. Entendia, finalmente, que o amor é mesmo misterioso e, quando é vivido no presente, não é possível classificá-lo, dar nome, dizer o que é, confiar que é, saber até onde vai. A mente é mesmo confusa e as batidas de qualquer coração nunca são lineares, não há forma de desvendar sentimentos, autoafirmá-los, declará-los claros. Sempre se sentirá uma inquietude de emoções, uma variação de diferentes tipos de aceitação e repúdio pela mesma pessoa. Há muito havia deixado de acreditar nos estúpidos lindos filmes que até hoje assiste. Por mais realistas que tentem parecer, encaixando percalços ou tirando o final feliz, há sempre a idealização de alguma história única de amor que, por alguns minutos, quase levam qualquer um a crer que errou na vida, mas enfim passou a entender que não é bem assim, as pessoas são destinadas a ter várias relações, de diferentes pesos.
Sabia, finalmente, que todas as aflições do mundo são passageiras, tal como o cara que desistiu de pular do prédio e tirar sua própria vida, por notar que havia perdido o medo de altura, pois se ali perdera o medo de altura, poderia perder em outras circunstâncias outros medos que alimentava, inclusive o de viver. Sentia-se como o personagem de todas essas histórias que acabavam bem. Não era seu fim, mas de certa forma, sua vida soava como um final feliz.
Respirou fundo e seguiu estrada adiante.

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