Sofia

Sentia pisar em nuvens. Seu caminhar nunca foi tão leve. O vento soprava a seu favor, a estação era sua preferida. Primavera. O céu estava bem azul, mas de alguma forma, o ar tinha um aspecto cor-de-rosa, talvez pelas flores de cerejeira que se espalhavam pelo percurso. Lembrou-se de Titãs, "há flores em tudo que eu vejo", e seguiu cantarolando enquanto esbanjava despretensioso charme em seus óculos escuros. Seus passos confiantes inspiravam quem a visse. Houve uma garota que por ela passou e tentou notar todos seus detalhes, talvez numa intenção de entender um pouco sobre felicidade, mas felicidade não se explica e, muito menos, inspiração. Dizem que inspiração sequer existe, não passando de um punhado de ideias desconexas que se explodem num dia de tédio, causando algumas conexões. Mas aquele não era um dia de tédio. Talvez a inspiração seja, então, um reflexo da felicidade quando alcança um patamar de independência. Quando, a despeito de qualquer infortúnio em constância, é possível encontrar um estado de tranquilidade. Também chamam isso de paz, mas paz parece pouco. Felicidade é grande demais pra caber numa palavra assim pequena. Divagava em sua mente da forma como sempre gostou de fazer. Era como se tivesse todas as respostas para as inquietações do mundo. Bastava-se a si naquele momento. Chegou em casa, largou as compras do mercado na mesa, a bolsa no sofá, ligou o som "shoulder to shoulder, amused but not advanced...", dançou consigo por alguns instantes e foi até a máquina de escrever que herdara de sua mãe. Nunca escreveu por outro meio, gostava do cheiro e do barulho da datilografia. Botou a folha em branco e começou: "Sentia pisar em nuvens...".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ode a sp

Fluxo vespertino

Perspectiva