Caótica quietude

Torpor na volta para a casa. Seus sentidos estavam dopados de apatia, enquanto o ônibus se balançava barulhento. O queixo apoiado sobre as mãos demonstrava não só o descaso pelo momento, como a frustração do dia.
Era o fim de uma segunda-feira tal como outra qualquer. Dia de se retomar a rotina como se ela nunca houvesse sido tocada. Ignorar que a adrenalina experimentada se fora junto das primeiras horas do domingo e se conformar com o marasmo e a monotonia contundente.
O trânsito intenso não era capaz de lhe fazer mexer um músculo sequer da face, suas expressões estavam estagnadas em neutralidade. Tudo que pensava era em como aquela euforia havia ido embora, sem deixar nem um caminho para ser seguida de volta, intocável, a depender exclusivamente do acaso. 
Que os dias já lhe propiciaram boas surpresas, era verdade. Mas não havia como acreditar em coincidências extremas em repetição. Já fora suficientemente espantoso que uma vez houvesse acontecido. Imagine duas.
Diferentemente do que costumava fazer, não contava as horas. Era irrelevante a qual momento chegaria em casa. Suas esperanças estavam anuladas pela frustração daquilo que não foi dito. Um sorrateiro sono lhe tomava, relembrando vagamente as sensações físicas que lhe haviam sido suprimidas, tão somente para adormecê-las outra vez. 
Talvez nada houvesse de heroico naqueles gestos que consagrava em suas memórias, nada mais fossem do que comuns aos leves de alma. Mas questionava-se quanto a encontrá-los novamente, ainda que em outras mãos.
Os olhos ameaçaram se fechar e pôde ver o ponto em que deveria descer sendo ultrapassado. Esqueceu de sinalizar e sequer isso lhe incomodou em algo. Decidiu ir até o ponto final, já que nada lhe esperava em casa. 
Ao desembarcar, tarde e numa rua vazia, viu um assalto tomar forma. Os bandidos armados se aproximavam encapuzados e com passos determinados a lhe abordar. Seus olhos, enfim, puderam acordar do entorpecimento que lhe tomava por inteira. Um fio de adrenalina novamente lhe percorria o corpo. Suas pernas se energizaram para correr. A sensação de medo se materializava nas mãos trêmulas e no coração palpitante. E, à medida que avançava, sentia o desespero em fracassar alternado com a satisfação em perceber que estava conseguindo se distanciar.
Sentiu-se viva novamente. Era ela ali, com suas emoções e reações ao mundo externo. Quanto ao caos do iminente assalto? Não viu razão para se queixar. Bem, talvez até ele seja subjetivo.
Continuou correndo, entre gritos e histéricas gargalhadas. 

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