Epifania

Numa decisão robusta, largou tudo que tinha nas mãos e reconheceu a desnecessidade daquilo que vinha segurando. Subitamente havia ficado tão claro. Os questionamentos que tanto lhe rebatiam, já lhe pareciam bestas olhados de agora. Como pôde por tanto tempo se arrastar naquela disforia? Lembrava de sua mãe repetindo, "isso é querer acreditar em papai noel, minha filha". Um riso lhe percorreu sutilmente a boca. Logo sua mãe lhe alertando da absurdez de se crer em contos surreais nesta altura da vida. O tempo já não estava mais para as fábulas. Era como se houvesse sido socada na cara pelos pulsos da realidade, que toma tamanho e forma para recobrar a consciência daqueles que flutuam para muito além do chão. O cuidado que o tema exigia já se perdia e, lentamente, tornava-se chacota, da qual ela mesma costumava rir. E claro, antes mesmo rir do que chorar. As expectativas viraram pó e, quanto a isso, conformou-se. Difícil mesmo era jogar o pó fora, sacodir o tapete da vida pela janela, virar-se do avesso se fosse preciso, e, sobretudo, seguir em frente desprendida daquilo que segurava em suas mãos com uma força que já não tinha mais. A poesia funcionava como advogada do diabo, as palavras tinham o poder de vedar seus olhos e remeter seus pensamentos para um tempo que já havia passado e não voltaria. A nostalgia tornava ainda mais sublime o que um dia foi vivido e, somada ao agora, restava em verdadeira ambivalência. De que servem as saudades de alguém que se tem por perto? Para mostrar que se ama ou para provar que não se ama mais? Pedia ao tempo, agora vilão e traissoeiro, que com ela alinhasse novo pacto, tal como em alguns anos atrás quando tudo se ajeitara. Sentia como se estivesse dando sempre passos retrógrados, verdadeiras recaídas que lhe obrigavam a se levantar novamente a cada vez que cedia seu brio ao medo do escuro. Certa feita, quase que de forma sobrenatural, se deu conta. E, olhando suas mãos, jogou fora o que carregava, sem remorso ou incerteza. Chamaram de descoberta tardia, ela chamou de epifania.

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