Lenta queda da vida

Quando me mudei, pensei que a cidade iria encher minha cabeça com tanta novidade que eu mal conseguiria colocar em textos todas as ideias. Mas não. Dois anos aqui e esses são os primeiros parágrafos mal programados e sem muito conteúdo que me saem.
Talvez devido ao marasmo que os dias se tornaram, não sei. Especulo que sim. Mas há quem entenda que toda especulação é fadada a falhar. Pode ser.
Naquela noite preferi dormir, é verdade. E naquela outra, acabei me embebedando novamente.
Fato é que a liberdade está me deixando confuso. Tanto mundo pra explorar sozinho. Tanto tempo pra desfrutar. Tanta vida só minha e de mais ninguém. Parece um muito de tanto que vou deixando pra usar depois, já que há essa abundância.
Ocorre que o que abunda prejudica, ao contrário do que alguns juízes que conheci diziam. Pessoas gostam do pro... Como é mesmo aquela palavra? Algo no sentido de estender o texto. Pensei em prolapso, mas vi que não, não mesmo. Minha cabeça tem ficado confusa, digitei "extender" no Google.
Talvez ter sido afastado do escritório e os uísques diários estejam me causando esse emburramento temporário. Posso assim dizer? Não importa. Só quero mesmo ressaltar que é temporário.
De todo modo, as lamentações de ontem em nada devem ser tidas como válidas, não acho que me perdi e nunca mais vou escrever, como dito na noite anterior durante um desabafo com o travesseiro. Claro que não estou cedendo à sucumbência natural num passo mais avantajado que todo o resto. Tal como advogado que fui a vida inteira, escrevi laudas de se perder a conta, reverti sucumbências, não como as naturais da vida, mas importa que triunfei. O escritório me vestia e dava sobrenome. Hoje, o porteiro me chama de "dotô", mas não sabe se sou médico ou advogado.
Perder o emprego é deveras difícil, ainda mais da forma brusca como fora. Afastado, para não dizer arrastado. Todos tratam com naturalidade, dizem que esperam que eu volte, mas estão mesmo é disfarçando o real. Claro que perder a mulher foi um pouco mais complicado, mas neste assunto prefiro não entrar.
Celina nem me faz tanta falta mais. Posso até escrever o nome dela agora. Já são 2 anos de abstinência e acho que me sinto curado dela. Posso chegar a menos de 200 metros sem fazer nenhum mal. Eu sei que posso. Eles, não. Essa restrição imbecil me torna estúpido na visão do mundo. E o mundo me vendo assim não faz bem. Poderíamos morar na mesma cidade e tudo ficaria na mesma. Eu sei que posso fazer isso.
Quando ainda lia, minha mente ficava mais solta e eu sentia menos dor no peito, diafragma, esôfago, mandíbula e todo canto que dói quando se sente dor de verdade. Mas hoje não consigo abrir livros sem me entediar. O que aconteceu com os escritores? Estão chatos. Pretensos, no sentido de estenderem por demais o texto. Não consigo mesmo lembrar qual a palavra que se refere a essa extensão indevida, nem o Google ajudou, trazendo artigos, tais como, segmentação textual, coesão e distribuição informacional. Não era o que eu procurava.
Algumas buscas nos levam a resultados diferentes daqueles que expectamos para o fim, não é culpa do google, nem do destino. Acostumei com os resultados diversos. Quem nunca chegou ao fracasso após sonhar com o sucesso?
Me sinto bem, apesar de confuso. Pelo menos estou sozinho nessa confusão. Sem adragar ninguém junto comigo.
Mais um dia. Que seja.
A expectativa é nula quando se vive assim, daí também dizer que nula é a decepção. Aguardo o mundo tal como quem aguarda a banda que mais detesta fazer um show na cidade, pensando já na sujeira que fica depois e foda-se quanto ao show.
Abro mais um uísque pra fechar a noite.
Menos um dia. Que seja também.

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