Postagens

Caótica quietude

Torpor na volta para a casa. Seus sentidos estavam dopados de apatia, enquanto o ônibus se balançava barulhento. O queixo apoiado sobre as mãos demonstrava não só o descaso pelo momento, como a frustração do dia. Era o fim de uma segunda-feira tal como outra qualquer. Dia de se retomar a rotina como se ela nunca houvesse sido tocada. Ignorar que a adrenalina experimentada se fora junto das primeiras horas do domingo e se conformar com o marasmo e a monotonia contundente. O trânsito intenso não era capaz de lhe fazer mexer um músculo sequer da face, suas expressões estavam estagnadas em neutralidade. Tudo que pensava era em como aquela euforia havia ido embora, sem deixar nem um caminho para ser seguida de volta, intocável, a depender exclusivamente do acaso.  Que os dias já lhe propiciaram boas surpresas, era verdade. Mas não havia como acreditar em coincidências extremas em repetição. Já fora suficientemente espantoso que uma vez houvesse acontecido. Imagine duas. Diferen...

Oceans and streams

My head is far far away from here. I feel like floating. I always feel like that once in a while. Like I'm laying on some water's surface, just going by the natural force, since I can't fight it back. I have no hunger, no hurry, no urges. To make it all easier I close my eyes. When I open them up, I see how far I've got. Like time has passed and I couldn't notice. Truth is... I don't really care. No matter how lost I may seem, I'll always find my way back. As a matter of fact, I usually find a way to something even better. 

Bem-vinda consciência oscilante

Rememorava traços que lhe voltavam pouco a pouco. Contra cada fragmento, relutava. Não era possível que tudo isto houvesse acontecido. Sobretudo neste curto espaço de tempo. - Qual o sentido da espera?, dizia.  - Todo, é claro.  - Se a vida é feita de segundos, por que contam em anos? Se as pessoas são tão insubstituíveis, por que existem bilhões? Se somos um só, por que sinto que já fui várias?  - Irrelevante, por óbvio. Cada passo traz o peso que merece e cada olhar, o reflexo que ignoramos para encobrir qualquer desgosto. De todos, apenas um. Mas num agora muito turvo para se dizer até quando se fará permanecer. Em verdade, todo agora é assim. Os fatos são como fotografias a serem reveladas, bem se sabe.  Enquanto me ouvia, torcia o nariz. Os sentidos eram reinterpretados como queria, o que tentei evitar: "Não era você que acreditava que os atos da vida se concatenavam?", indaguei.  - Sim, mas temo tê-los desconcatenado por minha conta.  -...

Epifania

Numa decisão robusta, largou tudo que tinha nas mãos e reconheceu a desnecessidade daquilo que vinha segurando. Subitamente havia ficado tão claro. Os questionamentos que tanto lhe rebatiam, já lhe pareciam bestas olhados de agora. Como pôde por tanto tempo se arrastar naquela disforia? Lembrava de sua mãe repetindo, "isso é querer acreditar em papai noel, minha filha". Um riso lhe percorreu sutilmente a boca. Logo sua mãe lhe alertando da absurdez de se crer em contos surreais nesta altura da vida. O tempo já não estava mais para as fábulas. Era como se houvesse sido socada na cara pelos pulsos da realidade, que toma tamanho e forma para recobrar a consciência daqueles que flutuam para muito além do chão. O cuidado que o tema exigia já se perdia e, lentamente, tornava-se chacota, da qual ela mesma costumava rir. E claro, antes mesmo rir do que chorar. As expectativas viraram pó e, quanto a isso, conformou-se. Difícil mesmo era jogar o pó fora, sacodir o tapete da vida pela j...

Lenta queda da vida

Quando me mudei, pensei que a cidade iria encher minha cabeça com tanta novidade que eu mal conseguiria colocar em textos todas as ideias. Mas não. Dois anos aqui e esses são os primeiros parágrafos mal programados e sem muito conteúdo que me saem. Talvez devido ao marasmo que os dias se tornaram, não sei. Especulo que sim. Mas há quem entenda que toda especulação é fadada a falhar. Pode ser. Naquela noite preferi dormir, é verdade. E naquela outra, acabei me embebedando novamente. Fato é que a liberdade está me deixando confuso. Tanto mundo pra explorar sozinho. Tanto tempo pra desfrutar. Tanta vida só minha e de mais ninguém. Parece um muito de tanto que vou deixando pra usar depois, já que há essa abundância. Ocorre que o que abunda prejudica, ao contrário do que alguns juízes que conheci diziam. Pessoas gostam do pro... Como é mesmo aquela palavra? Algo no sentido de estender o texto. Pensei em prolapso, mas vi que não, não mesmo. Minha cabeça tem ficado confusa, digitei ...

Memórias

Bullshit. A primeira palavra que me vem à mente quando penso no ser humano. Risos. Engraçados nas próprias medidas. Uns transparecem a comédia. Outros a escondem dando margem à descoberta tardia. Triste, no fim das contas. Todos pequenos, mínimos como podem ser. Atrofiados sem saber. Presos aos passos dados. Ninguém se lembra diariamente da própria limitação. Dão espaço à vida ilusória quando se esquecem que os caminhos percorridos criam vínculos que pra sempre estarão lá. Vivos ou mortos. Por vezes busquei inspiração nas melhores extensões vividas, não me trazendo nada além da folha em branco. É o ódio vestido de resiliência que faz o coração falar. A vida segue. Não restam vítimas, a não ser que assim se coloquem e optem por permanecer. Quem não gosta da fantasia inventada? Da mentira bem contada? Todos revesam lugar na plateia e no palco. Ora apontam, ora são apontados. Não cabe sentimentalização dos ressentidos. Simplesmente não há espaço. É drama pra se suprimir. Na contagem do...

Esquivas

Se muito falei, agora pouco me resta. Sei daquilo que não conheço. Memórias nunca tive. Esperança, quiçá. Talvez só me reste mesmo o presente, numa agonia de estar preso a um nome que não lhe faz jus. Presente mesmo seria ter o passado e o futuro. Fazer da vida alguma história. Mas, nada. Nada cabe ao que na mente desmancha o passo dado, nem tampouco ao que em pensamento se esquiva de olhar adiante e se posicionar, seja qual for a direção.

Café Frio

E eu continuava a observá-la. Sempre nos mesmos horários. Era incrível sua pontualidade. Houve um dia que me atrasei por cinco minutos para alcançar a janela e, quando cheguei, ela já não mais estava lá desfilando graciosa. Hesitei por algum tempo, pensando que ainda pudesse passar, mas era tarde demais. Às sete horas, nem um minuto a mais, nem um a menos, e lá se ia minha bela junto com o frescor da manhã em sentido leste. Voltava ao entardecer, retomando, imagino, o caminho de casa, sentido oeste. Eu me culpava, me castigava e chegava adiantado no dia seguinte se deixasse de vê-la um dia sequer por ter bebido demais e acordado horas depois. Talvez devido ao ambiente sombrio e sem graça que se tornara meu apartamento é que necessitasse tanto daquela beleza colorida de Manuela. Os cômodos vazios, a lâmpada queimada da sala há dois meses sem trocar, a falta de vizinhos no meu andar, o porta-retrato com a antiga foto de Laura segurando as crianças naquela nossa últi...

Brincava com a verdade, num estímulo de quem não sabe sorrir de forma natural. Achava do destino um tolo, enxergava a todos como máquinas fadadas à ferrugem. Quem sabe uma forma nova não se assumiria se trocassem sua engrenagem,  fosse feita alguma reposição de peças, entendido melhor seu manual? Ninguém sabe. E também não quiseram saber. Já completava a quadragésima década e, até então, não via sentido em nada. Produto de consumo do tempo, era capaz de perceber apenas o decurso de anos, ignorava os dias, semanas e meses. A tosse constante e a náusea eventual lhe lembravam de sua condição humana. O terno padrão como o de vários outros lhe deixava ainda mais longe de si, desafiando se havia alguém ali dentro. Quis parar com essa brincadeira. Usou a forma que julgou menos gravosa. Não conseguiu, acordando e se frustrando ao ter os olhos abertos, além dos entediantes dias no hospital para desintoxicação. Falha a tentativa de romper com a própria vida, sentiu ira por estar e...

Tarde de verão

Imagem
Quinta-feira de dezembro. O sol já deixava sua ardência para o anúncio de que em breve iria se pôr. Acordei atordoada notando que os sonhos bons do cochilo após o almoço haviam se estendido de forma a quase impedir que eu cumprisse com o combinado. Em um salto, me levantei, lavei o rosto, vesti algumas roupas, peguei as chaves do apartamento e saí correndo pelas ruas, desviando das pessoas que consegui e dando algumas esbarradas em sujeitos de bem que me olhavam indagando-se se eu havia roubado alguém para justificar a pressa. Não havia. Apenas tinha a intenção de chegar até o farol antes do pôr-do-sol. No Recife, se o relógio mostrasse mais que 16h30, já se poderia desapertar o passo e se contentar com o do dia seguinte, o sol não espera. E Miguel disse que também não esperaria. Era a última chance que daria a nós dois. Lembrava disso e corria ainda mais. Com o trânsito do horário, era incogitável usar qualquer outro mei...

Da mantença para mudança

Seis horas. Com sede de viver, tratou de se levantar. A manhã de julho cujo frio era prazeroso exigia que, para seu desfrute, o ar pudesse tocar a pele. Arrancou a camisa e abriu a porta da cozinha a fim de sentir o frescor do vento, aproveitava para notar como era bom não conter suas vontades temendo ser lembrado de que poderia se resfriar ou algo besta assim. Renovado após aquela noite, quis preparar o café. Passara anos escapando de casa logo cedo e acabando por se sujeitar a tomar aquele meia boca da padaria, pago com moedas que lhe pesavam no fim do mês. Agora sentia o cheiro de uma bebida forte, recém preparada. A despeito de estar sozinho, brindou consigo mesmo. Era fácil notar o efeito que lhe causara aquela mudança. Sempre tão seguro e estável, era novo ter os pés fora do chão e algumas incertezas no peito que pouco lhe incomodavam. Queria explorar ainda mais aquilo que sentia, trazer à tona as faíscas que lhe exp...

Brevidade

De questionamentos vivem alguns. Cobranças infundadas e críticas descabidas. Colocam-nos como querem, sem oportunidades reais de explanação. E, ainda que nos dessem tal espaço, considerariam nossas palavras mera retórica, ignorariam o que contêm. Os olhos incisivos desviados do trilho como cães raivosos contidos por coleiras, o desgosto espumante na boca, a garganta travada na falha tentativa de conter o remorso que já transborda, os pulsos cerrados, os passos apressados. É possível sentir em forma de reflexo o resultado de cada emissão que figuramos como destinatário, ainda que intangíveis e sem apontamentos diretos. Talvez nos desvendem. Talvez tentem nos reprogramar. Talvez tenham em mente que não há situação alguma neste mundo em que se aplica o instituto da segunda chance de modo a restabelecer um idêntico quadro. Todo ato é relato, mas nem todo relato fora mesmo um ato.

Atrasado fim

Uma vez ali, sinto como se o resto do mundo irrelevante fosse. Não me importo com o que dirão. Posso ser deus ou o diabo. A mim não cabe decidir ou influenciar. Deixo que optem conforme queiram, que gritem ou se rendam, que se soltem ou se prendam. Não pregarei minha boa-fé ou autonomia. Estão cientes, dispensam relatos contentes. Creio que daqui não passará. Covas são para se cavar e os corpos, para enterrar. Deixe-me ir ou terá de arcar com o peso do pesar. Lamento pelas escusas que não usei e pelas desculpas que disfarcei. Talvez eu seja mesmo o diabo, já não sei.

Falsa satisfação

Beijei-lhe em um desconforto incômodo, desafiando os quatorze anos que compartilhamos juntos. Era como se aquela cama não fosse a nossa e aquela casa não estivesse conosco por todo esse tempo. Enquanto aqueles olhos sedentos me fitavam, aguardando por me consumir, percebi como eu desconhecia o prazer daquela cópula e questionei-me se esta estranheza que transborda minhas dimensões não era por ele notada. Senti saudades dos tempos em que morava com mamãe. Ainda que aquele quarto mal nos comportasse e a fome e o frio nos lembrassem de toda a miséria, não restava muito espaço para sentimentos ruins. As demandas fisiológicas predominavam, afastando qualquer dor proveniente de outra fonte. Por vezes, acreditei que tudo fosse uma coisa só, bastando que eu me saciasse fisicamente para que fosse tomada por um êxtase emocional. Mas, por fim, pude me convencer de que nada era mais inefável que as emoções. Deitada ali em meio àqueles lençóis caros, encarando o homem que tornou apenas lembrança...
We're always playing games. I guess we were born to do that. No matter what Kant said, we're never gonna do something without an intention.

Devaneios Oníricos

Duas horas da manhã e é, no mínimo, a décima vez em que olho o relógio. Às seis horas, o despertador começará a gritar, na doce ilusão de que estarei dormindo, quando, na verdade, meu sono sequer ainda terá chegado. O formato do meu corpo desenhado no colchão só me faz lembrar que já estou deitada há quatro horas. Esta noite, inclusive, fiz questão de recolher-me mais cedo, ciente da necessidade de oito horas bem dormidas para uma boa aparência amanhã. Bem se sabe que para uma mulher de 49, não há maquiagem milagrosa. Parte disso é culpa deste raio de travesseiro. Se fosse um de plumas de ganso feito o de mamãe, é claro que eu já estaria dormindo há muito tempo. Isto me faz lembrar do tempo em que o comprei, ainda noiva de Edgar. O perfume daquele infeliz ficava sempre impregnado não só no travesseiro, como em toda cama, além de meu corpo e meus cabelos... Passávamos horas deitados juntos, como se não houvesse um mundo lá fora e tudo que precisássemos estivesse dentro deste quart...

Perspectiva

A cada porta que se fecha, eu vejo mil se abrindo. Isto faz meu dia lindo. Abraço cada oportunidade como se filhos fossem. Deixo-os à vontade, faço de meus braços perfeita morada. Não cabe insegurança ou hesitação. É como se alguns passassem a vida se lamentando pelo que não foram, deixando de se admirar com o que ganharam no percurso não planejado. Calo-me para conter minha revolta contra estes. Inspiro o ar da renovação e expiro aquele de contradição. O futuro é o hoje em forma de expectativa, nuvem de desejos e questões. Construo-o com cada passo, aguardando pelo destino que virá como resultado. Não há que se temer em almejar o melhor, somos quem queremos ser, ao contrário do que cantam por aí.
"They play it safe, are quick to assassinate what they do not understand. They move in packs, ingesting more and more fear with every act of hate on one another. They feel most comfortable in groups: less guilt to swallow. They are us. This is what we have become, afraid to respect the individual. A single person or event or circumstance can move one to change: To love herself. To evolve." https://www.youtube.com/watch?v=9hVp47f5YZg https://www.youtube.com/watch?v=bI3qRovp1A8

Frieza realista

Algumas pessoas se portam como se somente esperassem pelo nosso fracasso. São meros telespectadores da vida real ou talvez fantoches movidos pelo prazer de pressentir e comprovar o desgosto alheio. Tais seres, dada sua insignificância, não merecem nada além de nossas condolências. Por eles compartilho o pior sentimento que ao homem pode ocorrer, deprimindo-me ao pensar como podem ser tão infelizes. Nada resta a nós a não ser retirar-lhes o doce gosto ácido de estarem certos no próprio pessimismo. Que sigam sendo miseráveis como quiserem, enquanto nos empenharemos em decepcioná-los.

concepts

Some people are just fine getting the opening act. And some don't dream even about that. But others are born to set the world on fire.

Decurso ingrato ou apenas sensato

Tempo. Talvez de tão curto tenha se tornado avarento, mostrando, nas nuances do firmamento, que pouco já é suficiente para seu contento. Preso à parede, o relógio só faz lembrar que seu destino está selado feito o daquele bastardo que tira a vida de outro desafortunado. Não basta querer se libertar, estará sempre fadado a fracassar, assim como o tempo quando quiser parar.

Realismo hipócrita

Cada um interpreta os fatos da maneira que lhe convém. Isto não é um defeito ou problema para ninguém. O que se busca é estar em paz com as próprias ações, justificá-las, dar-lhes razão. Não há, portanto, que se recriminar aquele que, com seu tato, reconta qualquer ato com ênfase no que quer e descaso no que não lhe couber. Resta, assim, aceitar e acatar o que quiserem nos empurrar, mas, claro, resguardar nosso próprio pensar, e apenas repassar aquilo que nos propusemos a acreditar.

Desajuste

Ela saltou do ônibus empoeirado, com sua mochila nas costas, agasalho amarrado em sua cintura, fechou os olhos por um instante e deixou que o vento leve e os raios de sol tocassem seu rosto. Logo, foi interrompida pela velha rabugenta que, vindo atrás, a cutucou com a bengala indicando que queria passar. Ela, sem se importar, deu mais uma longa respirada e, finalmente, desobstruiu a passagem. Sem saber para qual lado ir, deu uma olhada ao redor e, em meio a tantos carros, buzinas, pessoas e correria, encontrou um rapaz que estava sentado na rua, um pouco distante da confusão, desenhando fotografias. Achou que seria uma boa pessoa para lhe dar as informações que precisava e, assim, dirigiu-se ao artista de rua que, apesar de um pouco sujo e com o cabelo desgrenhado, tinha boa aparência: - ¿ Me puede decir dónde voy a encontrar la calle São José? Estoy cierta de que es cerca de aquí, pero no sé muy bien por cual camino debo pasar. - Hola, linda! É só ...

But it does

"Should" is a word that shouldn't exist!

O fim último como presente

Assim como Aristóteles, penso que a felicidade é o fim último que a vida humana, desde os primórdios, busca. Indiscutível é que suas teorias deram base a muitas outras desenvolvidas no século XX. Entretanto, nascer alguns séculos mais tarde, atrevo-me dizer, lhe faria bem. Certamente, atingiria um nível inimaginável de perfeição no pensar. Faltou-lhe conhecer Darwin, admitamos. Deixando de lado o escorregão do filósofo que, a propósito, é um dos meus favoritos ao trazer a ideia do homem moderado, passo a concentrar em seus acertos. Tudo gira em torno desta incessante busca à felicidade. Para mim, definida como o sentimento mais inexplicável que ao homem pode ocorrer. Para ele, com um sentido diverso, motivo pelo qual sigo agora a meu modo de pensar. Felicidade é sentimento, ora. O anseio para do mesmo desfrutar é tão intenso que sequer considera-se sua natureza. Como tal, é volátil. É estado de espírito. Vem e volta. Não há momento na vi...

...

Toda tentativa de generalização é falha. E, nesta, esta se inclui.

À Amanda da vez

Uma parte de mim foi arrancada com a brutalidade e maestria que só um criminoso tem. Não o culpo, mas também não o perdoo. E se o ver, mato-lhe também. Se em meu peito só resta solidão, em sua cabeça agora é tensão. Remorso por ter matado? Insensatez. Medo de ser encontrado? Talvez. Um disparo e mais nada, fim da risada, galera animada, festa badalada, amigos em ritmo de noitada, meia vida de uma namorada. Muitos olhos marejados, outros calados, não menos preocupados. Para quem acredita que haverá um reencontro, conforto. Para mim, que vejo que acabou o conto, ele está morto. O Estado do caos ainda é presente. Medo latente. Conflito pendente. Hobbes contente. Povo inconsciente. Mudança insuficiente. Esperança dormente. Dona da minha liberdade eu sou agora. De que adianta? Metade de mim foi embora.

Fluxo vespertino

Tardes são movidas por um fluxo (peço-lhes licença para uso de um neologismo) inconceituável. Pode-se delas dizer um espaço de tempo que se estende do fim da manhã até o início da noite, em que o sol está (ou não) no céu e cujo tempo passa (ou não) lentamente. E são tomadas por um marasmo incômodo, para alguns, ou por uma correria esgotante, para outros. Para mim, como já era de se esperar, vez que, por natureza, defino-me instável, nunca houve posicionamento claro no que tange à qual tipo de tarde gozam meus dias. Assim, deixo de lado esta análise que, em suma, nada acrescentará. E passo, pois, a tentar entender, não mais em abstrato, certa tarde concreta que me ocorrera. Não posso dizê-la atípica por não ter tardes típicas a me referenciarem, mas, adianto-lhes que esta em muito se diferenciou de todas as demais, por ter o decurso do tempo sido híbrido. O ponteiro do relógio vagarosamente ia se arrastando, e, por...

É agora?

Quando somos jovens tudo é intensificado. Qualquer estado de espírito parece eterno e, de uma forma paradoxal, transforma-se tão rapidamente que a mudança parece não ter sequer ocorrido. E, assim, o novo estado coloca-se como o próximo eterno. Alguns dão-se conta de que a metamorfose é fator inarredável. Outros, com propriedade, orgulham-se do que dizem ser com tanta certeza. Não os julgo. É normal que sintamos ser o que estamos sendo. É normal que nem sequer façamos diferenciação entre ser e estar sendo. Mas, eis que vos digo, não somos aquilo que nos taxam ou aquilo que nos taxamos. Não estamos fadados a sê-lo para sempre, não há nada que vincule nosso destino. Não há que ter-se receio de tentar, errar ou apostar. Somos presenteados com o presente, recebendo chances novas todos os dias ao acordar. Quando não restar oportunidade alguma, não daremos conta, vez que teremos deixado de ser. Mas, enquanto somos, não há chance inesgotável ou futuro inalterável. O que há, por mais clichê qu...

Eu, eu não domino a esgrima

Como lidar? Com a cara a tapa do tapa que não foi dado e o humor que não está relaxado, o suor que deixa de transpirar, devido ao corre que tira as forças do lugar. Põe no pesadelo o sonho mais bonito e tira da mente o que tinha de bom, deixa achar que só restou o que não presta. Parece que acabou a festa, cada dia fica pior. É como o moleque que enxergava o que tinha por detrás dos olhos, bastou que se curasse o que estava lá pra deixar de remoer a dor do que costumava ver. Assim é o homem. Depende do ponto de vista, pode achar a paisagem preta ou colorida. Qualquer coisa que eu disser não fará sentido, porque não querem ver sentido, querem achar que eu não ligo. A verdade é que ligo e assim me castigo.